Carta para além do muro

Olha, estou escrevendo só pra dizer que se você tivesse telefonado hoje eu ia dizer tanta, mas tanta coisa. Talvez mesmo conseguisse dizer tudo aquilo que escondo.
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Hoje eu diria qualquer coisa se você telefonasse. Por dentro também eu estava preparado para dizer, um pouco porque eu não agüento mais ficar esperando toda hora você telefonar ou aparecer, e quando você telefona ou aparece com aquelas maças eu preciso me cuidar para não assustar você e quando você pergunta como estou, mordo devagar uma das maçãs que você me traz e cuido meus olhos para não me traírem e não te assustarem e não ficarem querendo entrar demais no de dentro dos teus olhos, então eu cuido devagar tudo que digo e todo movimento, porque eu quero que você venha outras vezes...
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e a terra tinha um cheiro de terra molhada: eu comecei a lembrar, lembrar, lembrar e o meu pensamento parecia um parafuso sem fim, afundando na memória, eu não suportava mais lembrar de tudo o que se perdeu, tudo o que perdi, não fui e não fiz, mas não conseguia parar. Então comecei a gritar no meio do jardim molhado com as duas mãos segurando a cabeça para que não estourasse. Aí eles vieram e disseram que não tinha jeito e que estavam arrependidos de terem me deixado sair sozinho e que aquela era a última vez e que eu disfarçava muito bem mas não conseguiria mais enganá-los. Eu disse que não tinha culpa do meu pensamento disparar daquele jeito, mas acho que eles não acreditaram, eles não acreditam que eu não consigo controlar pensamento.
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Parei um pouco de escrever para olhar pela janela e principalmente para ver se eu conseguia deter o parafuso entrando no pensamento. Acho que consegui. Porque quando começo assim não consigo mais parar, e não quero que eles me dêem aquela injeção, não quero ouvir eles dizendo que não tem remédio, que eu não tenho cura, que você não existe. Eu acho graça e penso em como você também acharia graça se soubesse como eles repetem que você não existe. Depois eu paro de achar graça e fico olhando a porta por onde não entra o telefone por onde você não fala...
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Tenho certeza que você existe porque escrevo para você, mesmo que o telefone não toque nunca mais, mesmo que a porta não abra, mesmo que nunca mais você me traga maçãs e sem as suas maçãs eu me perca no tempo, mesmo que eu me perca. Vou terminar por aqui, só queria pedir uma coisa, acho que não é difícil, é só isso, uma coisa bem simples: quando você voltar outra vez veja se você me traz uma maçã bem verde, a mais verde que você encontrar, uma maçã que leve tanto tempo para apodrecer que quando você voltar outra vez ela ainda nem tenha amadurecido direito.

Trechos de Carta para além do muro - Caio Fernando de Abreu

Saudade...

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E se a dor é de saudade
E a saudade é de matar
Em meu peito a novidade
Vai enfim me libertar
Devagar...
(Roberta Sá)

De lembranças...

Deus é testemunha do esforço que estou fazendo para esquecer você. Ele também sabe o quanto está difícil.. OK! Prometi não dá mais importância do que problema merece, mas também não vou mentir, né?!
Como se não bastasse o sentimento -que teima em permanecer - tudo ao meu redor lembra você. Hoje fui almoçar no shopping e lembrei: A última vez que estive aqui, você estava comigo. Quando me arrumo para trabalhar é inevitável não lembrar que em tal dia, estava com aquela blusa e você estava comigo.
O MEU perfume lembra você, o seu perfume lembra você. O meu celular, os cachorros que eu vejo na rua, os peixes, a lagoa, as músicas, os filmes, os programas de TV, os sonhos, o banho, o MSN, o Orkut...
Os amigos -os seus, os meus e os nossos- lembram você, a sua família, a minha família... A semana, os finais de semana, o feriado, os dias difíceis no trabalho. O telefone de casa, que teima em tocar entre às 20h30 e 21h, as fotos, as festas...TUDO me faz lembrar você...
Mas como forte menina que sou, estou indo de encontro a todas essas lembranças e tentando retomar a vida, que agora tá mais sem graça. Está difícil? Está! Mas eu vou consegui! Se deu certo uma vez, vai dar certo a segunda.

De que são feitos os dias?

- De pequenos desejos,

vagarosas saudades,

silenciosas lembranças.

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Dentro deles vivemos,

dentro deles choramos,

em duros desenlaces

e em sinistras alianças...

Cecília Meireles

Perder e Sofrer

Uma amiga falou: "Você sabe que eles saem perdendo, né?"
Eles podem até sair perdendo...A minha amiga até tem razão.
Mas, nessas histórias eu sempre saio sofrendo... O que é bem pior.

Vai ser difícil...

Vai ser difícil não ouvir mais ‘cola o teu desenho no meu pra ver se cola’ quando o celular tocar...
Vai ser difícil mudar o perfil do Orkut, apagar as fotos...
Mas vai ser muito difícil não ligar mais para contar sobre o dia, apagar os bons momentos da cabeça e, principalmente, do coração...
Vai ser difícil...